O mercado abriu a terça-feira com um clima de cautela, refletido no recuo de 0,34% do Ibovespa, que encerrou o pregão pressionado por movimentos pontuais em setores relevantes. A Eneva liderou as altas do dia com avanço de 3,22%, enquanto a MBRF amargou queda de 7,66%. O rastreamento de volume atípico mostrou forte movimentação nas ações de Rdor, Hypera e Caixa Seguridade — todas negociadas bem acima da média, mas com desempenho negativo, sinalizando uma rotação defensiva no mercado.
Entre os assuntos centrais do dia, um tema recorrente voltou ao debate público: o impacto do dólar no cotidiano dos brasileiros. A clássica frase “eu não como dólar” ganhou novos contornos após um estudo da FGV revelar, com dados consistentes, a dimensão da exposição cambial das famílias em todas as faixas de renda. Com 10% do PIB brasileiro dependente diretamente de importações, a variação do câmbio se infiltra silenciosamente em nossa cesta de consumo. A pesquisa demonstra, inclusive, qual proporção ideal de dolarização cada grupo deveria ter em seus investimentos — uma evidência concreta de que diversificação internacional não é luxo, mas uma ferramenta de preservação real do poder de compra. A reflexão levantada por Bruno Paolinelli, autor da newsletter, sintetiza o argumento: se o seu consumo já está exposto ao dólar, por que seus investimentos ainda não estão?
No noticiário corporativo, o movimento mais relevante veio do setor financeiro. O Itaú assumiu o controle da Avenue após adquirir uma fatia adicional de 17% da corretora, atingindo 50,1% de participação e consolidando sua estratégia de expansão internacional em investimentos para pessoa física. O mercado também observou outras transações expressivas: a Sonae vendeu sua participação de 26% no shopping Parque Dom Pedro por R$ 625 milhões, enquanto a UnitedHealth encerrou sua presença na América Latina com a venda da Banmédica ao grupo Pátria por US$ 1 bilhão.
No cenário doméstico, a crise empresarial segue deixando marcas profundas. A AMMO, dona da mmartan, entrou com pedido para aprovação de um plano de recuperação judicial, acumulando R$ 393 milhões em passivos. A empresa colocou a própria marca como garantia em uma tentativa de reorganização. No agro, a situação é ainda mais crítica: o número de recuperações judiciais no setor atingiu um novo recorde, refletindo margens comprimidas, juros altos e escassez de crédito — uma combinação que deve resultar em um volume de fusões e aquisições apenas estável em 2025, ao contrário do crescimento esperado em anos anteriores.
O relatório do Ministério da Fazenda foi outro ponto de atenção. Ele mostrou que o grupo 0,01% mais rico do país paga apenas 4,6% de Imposto de Renda efetivo, devido ao uso intensivo de instrumentos isentos como dividendos e títulos incentivados. Paralelamente, o 1% mais rico concentra 37% de toda a riqueza nacional, evidenciando desigualdades estruturais que reacendem o debate sobre reforma tributária e justiça fiscal. O Banco Central, por sua vez, lançou uma nova ferramenta para impedir abertura não autorizada de contas, reforçando a agenda de segurança no sistema financeiro.
Na política, o ambiente continuou agitado: o Contran aprovou o fim da obrigatoriedade de aulas em autoescola para obtenção da CNH, medida que deve mexer com o mercado de formação de condutores. No setor empresarial, uma movimentação inusitada chamou atenção — a ASA fez um ataque hostil ao banco ABC Brasil, levando embora 50 executivos de uma só vez. Também continuam os desdobramentos da crise do Banco Master, que vem afetando negócios ligados ao empresário Nelson Tanure.
O noticiário internacional revelou dificuldades no setor automotivo chinês: a BYD registrou queda nas vendas pelo terceiro mês consecutivo, resultado de uma concorrência feroz entre dezenas de montadoras em um mercado que se transformou em uma verdadeira guerra de preços. A Tesla enfrenta o mesmo ambiente adverso na China. No comércio global, os custos de transporte voltaram a pressionar as cadeias logísticas, com o frete marítimo atingindo sua máxima em quase dois anos.
A terça-feira chega ao fim com um mosaico complexo de informações: bancos se movem estrategicamente, a crise empresarial avança em setores importantes, o agro vive uma onda inédita de pedidos de proteção judicial e o debate sobre dolarização e poder de compra ganha força — tudo isso enquanto o cenário internacional mostra um ambiente competitivo e volátil. O cenário financeiro brasileiro entra no mês de dezembro ainda em estado de atenção, mas também repleto de movimentos que podem redesenhar partes relevantes do mercado.